A pergunta principal que merece ser respondida e, ao redor da qual toda esta discussão Cessacionismo e Continuísmo orbita, é se a cessação dos charismata é escatológica ou histórica. O cristão do Século XXI que estudar a questão e tenciona responder à pergunta que envolve a cessação ou continuação dos charismata será levado a defender uma das duas opiniões no meio da cristandade: ou a da cessação ou a da continuação dos Carismas depois de responder à pergunta acima.
É a partir dessa pergunta que Cessacionistas e Continuístas já conscientes das evidências bíblicas e históricas, passarão a estar habilitados a fazer suas deduções e inferências lógicas. A resposta será determinante para quem quer defender uma das duas posições no debate; o tema, num tudo, envolve a questão central, e as inferências levam-nos às posições antagônicas; deixemos as evidências levar-nos à verdade sobre o assunto. É simplesmente impossível fugir desta questão, caso alguém queira posicionar-se quanto à controvérsia. A partir deste pressuposto, a questão fica delimitada a sabermos se existiram alguns Carismas cuja permanência estava condicionalmente ligada à fundação da igreja e ao fechamento do cânon, como afirmam os Cessacionistas, o que os tornaria dons cuja função era extraordinária, em contraposição aos que permanecem até hoje, cuja cessação é escatológica e sua função é ordinária, segundo os próprios Cessacionistas.
Prolegômenos.
Aprioristicamente, afirmamos que tanto Cessacionistas quanto Continuístas partem do ponto comum de que os dons não durarão para sempre, pois a função que eles exercem é temporária; assim sendo, uma meditação sobre a natureza temporária dos charismata se faz necessária neste estudo; reserva-nos o dever de posteriormente nos ocuparmos em responder sobre o quando as Escrituras afirmam a ocorrência deste evento, momento em que serão tornados obsoletos os charismata.
Sabendo que as Escrituras Sagradas não se contradizem, apenas uma correta interpretação das Escrituras nos levará a responder satisfatória e corretamente a pergunta central, e a interpretação que contradisser os resultados da sadia hermenêutica deverá ser denunciada de pronto, com o mais profundo zelo. Estamos certos de que as Escrituras sempre dizem a verdade, pois, a Bíblia é verdadeira, ainda que a nossa interpretação dela muitas vezes não seja. Portanto, não espere o leitor encontrar numa única parte a resposta, antes, encarará os desdobramentos das respostas, sempre girando em torno do cerne da questão.
Uma vez que ambos partem de um ponto comum até a bifurcação, ambos chegam (assim como ocorreu quando partiram suas discussões) ao término desta, ainda que por meios distintos, a um ponto comum, i.e., que todos os Carismas serão desnecessários no estado futuro perfeito, nos novos céus e nova terra[1]; assim, não nos compete falar sobre os temas em comum. Alguns exemplos de deduções que podem ser feitas à priori, numa tentativa de responder à pergunta central, são:
1) se a Bíblia afirma que a função dos dons extraordinários era fundamentar a igreja, então talvez[2] eles tenham cessado; de acordo com Efésios 2:20 já estamos “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, de que Jesus Cristo é a pedra principal da esquina”, o que tornaria desnecessário a concessão de determinados Dons Espirituais e Ministeriais se estes foram dados por Deus para fundamentação, visto que hoje estamos já fundamentados. Semelhantemente, lemos em Hebreus 2:3,4: “Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade?”. Se a função daqueles dons “extraordinários” se limitava à fundamentação da Igreja, então, talvez este texto aponte de alguma maneira à tese de que a Cessação seja evento histórico em relação ao pesquisador do Século XXI.
Porém, se a função dos dons “extraordinários” for edificar a igreja, então os dons continuam; e é isso o que lemos, de acordo com Paulo, em Efésios 4:12-14, dizendo que a vontade de Deus não limitou-se ao período de fundamentação, mas assim diz Paulo sobre a vontade de Deus quanto à concessão dos carismas: “Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente”. Tomando por base o texto supramencionado, entendemos que, de fato, os Carismas são para edificação do corpo, portanto, não seria saudável encararmos o evento da Cessação como histórico (um evento passado), mas escatológico (um evento futuro).
2) se a função de toda palavra profética é produzir escrituração canônica, então os dons de revelação, como profecia e interpretação de línguas, cessaram; agora, se nem toda palavra profética produziu escrituração canônica, então ainda é possível haver revelações e profecias, inclusive do tipo preditiva, desde que estas não advoguem status de escrituração canônica, e não contradigam a régua da revelação profética, a Revelação Canônica Escrita.
Neste caso, este tipo de revelação profética ainda pode ocorrer em nossos dias: “Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação.” (1Cor. 14:3). Uma profecia do tipo que deve ser julgada pelos ouvintes, segundo as Escrituras, ocorreu em Corinto: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem” (1Cor. 14:29), diferente da escrituração canônica de Paulo (v.37), a qual deveria ser recebida como “mandamentos do Senhor”. Por fim, faz-se necessário aos crentes zelosos e fieis averiguarem compenetradamente que a resposta dos Cessacionistas a esta pergunta não é bem fundamentada biblicamente, como demonstraremos.
2.2. A Natureza Transitória dos Dons.
Os dons são transitórios. Não haverá necessidades das coisas transitórias depois de as completas haverem chegado; isto também é concordância entre todos. Este é basicamente o raciocínio de Paulo ao escrever 1Cor., 13:8-13, onde lemos: “O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. Embora quase que a totalidade dos Cessacionistas hoje reconheça que 1Cor. 13:8b-13 não seja o melhor dos argumentos a favor a Cessação dos Dons, ainda há uma parcela considerável deles que “interpretam” – na verdade, fazem implicações errôneas – este texto como se o mesmo “favorecesse o Cessacionismo”.
Segundo este texto, entretanto, não é possível chegar a tal estado de perfeição ainda aqui nesta terra, enquanto não ocorrer a ressurreição: “[...] Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor. Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1Cor. 15:42b-44).
Até lá não podemos esperar senão a ira de Deus que há de vir sobre o mundo, na grande tribulação, o seu Reino Milenial e o juízo final: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus” (2Cor. 5:1-3). Pedro também diz: “E tenho por justo, enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações, sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado” (2Pe. 1:13,14).
Com relação às Escrituras, certas características citadas no texto de 1Cor. 13:8-13 são atribuíveis às Escrituras, como por exemplo, o fato das Escrituras serem perfeitas. Porém, não é das Escrituras que Paulo está falando neste texto, mas do estado ressurreto. Embora as Escrituras sejam de fato perfeitas, nós ainda não somos; portanto, a nossa compreensão da mesma é imperfeita e limitada e Deus não desconsiderou tal fato ao revelar-nos suficientemente o meio necessário e único para a nossa salvação, visto ter-nos concedido seu Espírito. Nenhuma Palavra das Escrituras é confusa; no entanto, o auxílio do Espírito Santo não nos exime de interpretações errôneas; nossa compreensão da mesma é imperfeita, afinal não temos o conhecimento completo de todas as coisas, como será na completude escatológica (1Cor. 13:10); portanto, não é às Escrituras que o apóstolo se refere neste texto.
O auxílio do Espírito Santo é para, dentro de nossa limitação, compreendermos as verdades espirituais das Escrituras e sua aplicação em nossa própria experiência cristã, apesar das limitações do nosso próprio estado atual. Com isso, não estamos tornando limitada nem sequer questionamos a eficácia da ação do Espírito em fazer-nos entender as Escrituras, ele o faz miraculosamente; no entanto, reconhecemos as nossas limitações intelectuais em compreendermos tão inefáveis promessas futuras.
O apóstolo Paulo relembra-nos isso: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Por que quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém” (Rom. 11:33-36); certamente, estas limitações são levadas em consideração por Deus ao falar-nos e iluminarmo-nos por seu Espírito mediante sua Palavra; é por tal razão que Deus confere Seus Carismas ao Seu povo[3] para que sejamos edificados “até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef. 4:13)! Não há razões para não buscarmos os Carismas, pelo contrário, as Escrituras nos encorajam, dizendo: “Segui o amor e procurai com zelo os dons espirituais” (1Cor. 14:1).
Notas:
[1] Leia Apocalipse 21 e 22. Desta maneira, não daremos maior atenção aos pontos que temos em acordo com nossos oponentes. Isso não nos eximirá, entretanto, de explicarmos as implicações teológicas para a concepção da cessação escatológica dos dons, e estas implicações dentro de uma hermenêutica Dispensacional.
[2] Desde que se prove o caráter unicamente fundacional dos assim chamados Dons “extraordinários”.
[3] Veremos a explicação de coisas transitórias feita por Paulo, mais a frente, no capítulo específico que tratará das questões sobre o texto supramencionado.