“apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho.” (1 Pedro 5:2,3)
O Pastor e historiógrafo da igreja Batista W. A. Jarrell afirmou acertadamente que “a mais elevada posição que um ministro batista pode vir a ocupar é a de servo de todos”. A primeira vez que li tal frase percebi um aspecto do ministério pastoral que tem sido esquecido pelos que têm sido chamados a tal vocação no século XXI: o amor sacrificial pela igreja. Não existe aspecto mais profundo e que melhor exemplifique o pastorado do que o sacrifício do pastor pelas suas ovelhas. Conheço o testemunho do irmão Moisés, juntamente com sua esposa, a irmã Zene; este até hoje não é sustentado por Convenção Batista alguma, nem pelas igrejas que fundou “para não sermos pesados a nenhum de vós” (2Ts 3:8), nem deseja sê-lo, pois apegou-se ao pouco e ao simples (Rm 12:16), contentando-se com a aposentadoria que é o pouco que tem, como São Paulo escreveu ao pastor Timóteo: “Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes” (1Tm 6:7,8); este recentemente perdeu sua esposa, mas em viagens missionárias também perdeu duas filhinhas vários anos atrás e jamais deixou de ser um missionário. Hoje, já com seus oitenta anos, é pastor de não menos que cinco igrejas batistas ribeirinhas, administrando-as todas até hoje, deixando apenas supervisores que os auxiliam quando da sua ausência. Este irmão, cujo nome não é conhecido entre os grandes aventureiros e pregadores hodiernos, faz parte de um seleto grupo de exceção à regra dos pastores de nossos dias.
Em dias de intensa busca pela galinha dos ovos de ouro ministerial, não poucos são os candidatos a esta vaga e estes candidatos intentam fazer sua carreira – não utilizando esta palavra no mesmo sentido sacrificial que São Paulo apóstolo emprega em 2Tm 4:7, mas no aspecto que visa puramente o soldo ao término do mês, e diga-se de passagem que quanto mais gordo, melhor –, a fim de que seus próprios nomes sejam citados dentro dos destaques, como um funcionário do Mês eclesiástico, ad infinitum, com láureas e glórias dos “companheiros” do conchavo, digo, “ministério”.
Não poucos são os que têm perdido o verdadeiro sentido do pastorado, da maneira como o mesmo é ensinado nas páginas das Escrituras. Ora, o apóstolo São Pedro afirmou “Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho” (1Pe 5:1-3). Observando o texto, quero salientar dois pontos:
a) “admoesto eu”. Ora, São Pedro sendo presbítero admoestou aos que estavam em posição inferior, pois Pedro era Apóstolo, além de Presbítero. Ele jamais considerou ser superior aos demais, ou que deveria dirigir-se a eles de maneira reprovável, como que para demonstrar uma superioridade diante dos demais; isto não significou, no entanto, que jamais São Pedro comportou-se de maneira inadequada para um cristão. Por duas vezes, São Pedro agiu erroneamente: 1) negando o Messias (Jo 18:27) e 2) afastando-se dos gentios por causa dos judeus, quando São Paulo o advertiu diante dos demais (Gl 2:11). Ora, São Pedro que já havia acessado às cartas de São Paulo em seu tempo (2Pe 3:15,16) certamente estava ciente que um pastor não poderia agir de forma a ser “iracundo” (Tt 1:7), palavra que, segundo o dicionário Priberam significa “humor irascível ou é propenso à ira”[1]. O que aprendemos com isso é que um pastor está sujeito à censura da mesma maneira que o apóstolo São Pedro, quando o mesmo se portou de maneira indigna, como podemos ler nas Escrituras em Gálatas 2:13, afinal, antes de pastor, o pastor é ovelha do Sumo-Pastor: “E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” (1Pe 5:4).
b) “apascentai o rebanho de Deus”. Por vezes lemos na Bíblia que muitos pastores cuidavam de ovelhas e comumente cuidavam do que não lhes pertencia. Jacó cuidava do rebanho de seu sogro, Labão (Gn 29-31). Davi cuidava das ovelhas de seu pai (1Sm 16:11-13). Da mesma maneira, São Pedro queria fazê-los entender que o rebanho tinha um dono; o rebanho é de Deus, pois Cristo é o “grande pastor das ovelhas” (Hb 13:20). Como o rebanho é de Deus, faz-se necessário que se tenha cuidado todo especial com o trato com o povo de Deus e o povo deve sujeitar-se ao pastor, pois assim escreveu São Paulo, apóstolo: “obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil” (Hb 13:17). Ao mesmo tempo em que os crentes sujeitam-se à autoridade do pastor, o pastor deve agir sempre de maneira moderada. Até mesmo a maneira como os Senhores da igreja devem falar com os demais irmãos deve ser “sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um” (Cl 4:6-6). O rebanho está diante do pastor; por sua vez ele estará constantemente “servindo de exemplo ao rebanho” (1Pe 5:3), mas as ovelhas ainda pertencem a Deus: “as minhas ovelhas ouvem a minha voz” (Jo 10:27), portanto, pastor algum tem autoridade nenhuma para agir de maneira diferente do que as Escrituras ensinam: “não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho” (1Pe 5:2,3).
Outro, e certamente o maior erro que podemos citar entre pastores no Brasil é aquele que temia São Paulo apóstolo, escrevendo ao seu filho na fé, Timóteo: “Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo” (1Tm 3:6). A igreja cristã brasileira nunca teve tantos líderes neófitos quanto hoje. Jamais tivemos tantos novos convertidos, imaturos e ignorantes das Escrituras, assemelhados aos israelitas no começo do ministério profético de Isaías, quando Deus os exortou, dizendo: “Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres não espremidas, nem ligadas, nem amolecidas com óleo” (Is 1:6). São homens que pouco ou nada sabem das Escrituras; ora, uma das coisas que se exigem dos pastores é que seja “apto para ensinar” (1Tm 3:2).
A grande parte dos pastores hoje é incapaz de animar-se à leitura de bons livros, bons autores, aprofundar-se na exegese de textos bíblicos a fim de ofertar à igreja não uma “palavra revelada há meia hora atrás” – isto é um método usado por uma seita excêntrica bastante conhecida em todo o país –, mas gastando tempo no aprofundado estudo das doutrinas bíblicas para que nós mesmos, enquanto pastores e líderes da igreja, possamos agir corretamente no exercício do pastorado. Não podemos agir da maneira que quisermos no governo da igreja pois simplesmente ela não nos pertence, como São Paulo ensinou aos pastores de Éfeso, dizendo: “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (At 20:28).
Um pastor não pode sê-lo por “torpe ganância” (1Tm 3:3), ou seja, visando lucros pessoais, sejam estes monetários, ou apenas serem visto pelos homens, tais quais os hipócritas de que falara nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 23:5). São Paulo escrevendo a Tito novamente alerta aos pastores, dizendo: “Porque convém que o bispo seja irrepreensível, como despenseiro da casa de Deus, não soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância; mas dado à hospitalidade, amigo do bem, moderado, justo, santo, temperante; retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes” (Tt 1:7-9). Infelizmente, sequer muitos têm atentado para estes aspectos. Normalmente, muitos têm sido o inverso disto, entregando-se aos seus próprios sonhos mirabolantes.
Ora, não há evidência maior do caráter e do tipo de ministério de um pastor do que olhar atentamente para os frutos do seu trabalho na própria igreja em que preside: “Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4:2). “Manda estas coisas e ensina-as” (1Tm 4:11). O próprio fruto produzido pelo pastor será evidência do quanto as Escrituras o tem transformado. Ora, assim diz São Paulo, apóstolo: “Convém, pois que o bispo seja [...] moderado” (1Tm 3:2,3). Muitos homens têm buscado por sua própria força “assenhorear-se do rebanho de Deus”, mesmo este não lhes pertencendo; desejam ser donos da igreja, e senhores de seus membros. A maior evidência disto é quando vejo cristãos dizendo que são da Igreja do Pastor Paulinho, do Pastor Apolozinho, do Pastor Pedrinho, ou apenas de Cristo; porém, as Escrituras ensinam o contrário: “Sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos” (Rm 12:16). Quando o apóstolo São Paulo escrevia sua epístola aos Romanos, lembra-nos outro aspecto que tem se perdido entre nós, pastores e líderes da igreja cristã: “o que exorta, use esse dom em exortar; [...] o que preside, com cuidado” (Rm 12:8). Ora, imaginem se qualquer homem, por mais respeito que tenha para mim, maltratar a minha noiva, como não irei eu agir com tal indivíduo? Agora, quão severo juízo há de ser aquele de Cristo, com os pastores que lidaram com a sua noiva de maneira que não é bíblica?
Finalmente, jamais poderíamos encarar o ministério pastoral como outra coisa, senão que, aqueles que foram chamados ao pastorado devem aguardar “mais duro juízo” (Tg 3:1). Que pastor nenhum se esqueça que, quando Deus trouxe mensagens de juízo às sete igrejas do Apocalipse, Deus não dirigiu-se em juízo a nenhum de seus integrantes, mas solenemente, Jesus Cristo ordenou por sete vezes ao apóstolo São João as palavras que devem estar registradas no coração de qualquer um dos candidatos e atuais membros do santo ministério pastoral: “E ao anjo da igreja [...] escreve” (Ap 2:1,8,12,18; 3:1,7,14). Saibam cada um dos pastores da igreja no Brasil que “já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?” (1Pe 4:17). Que deixemos de confundir a obra de Deus com a mera atividade eclesiástica, pois “A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo” (Tg 1:27).
Ícaro Alencar de Oliveira
Rio Branco – Acre, 20 de julho de 2016
E-mail: [email protected]
[1] Dicionário online Priberam da Língua Portuguesa. Acessado em 20/07/2016 <https://ww w.priberam.pt/DLPO/iracundo>.